terça-feira, 10 de novembro de 2015

Minhas avós, aquelas feministas

Carmem e Áurea nasceram no início do século XX, por volta de 1920.

Uma vivia em um sítio com a família, quando então resolveram migrar para o interior do Rio de Janeiro, para uma humilde e pequena propriedade; roça também. Quando criança aprendeu sobre ervas, conhecimento passado entre gerações. Tinha um sonho: virar enfermeira! Cuidar das pessoas. Seu pai permitiu que ela cursasse apenas até a terceira série. “Para quê uma mulher precisa estudar?”. Casou-se com seu único amor. À primeira vista se apaixonou, costumava contar com um sorriso nos olhos.

A outra conheceu as mazelas da fome ainda criança nas praias de Salvador. Filha de um português que dava mais valor a seu casamento com a bebida que com a própria esposa, uma cabocla. Para tentar mudar o presente de sofrimento e um futuro de incertezas, sua mãe a casou aos 15 anos com um homem que era respeitado nas redondezas. Detalhe: o “respeitável” a comprou, como era costume na Bahia naquela época. Não conformada com sua história, não cedeu a seu dono, digo, marido. Dormia com um facão embaixo do travesseiro, caso ele tentasse ter à força o que “era seu por direito”. Afinal, havia pagado, não é mesmo? Havia casado, inclusive! Como tinha medo daquela onça, ele a mantinha trancada num quarto, e pagava a uma vizinha para alimentá-la. Carmem também tinha um sonho: ser livre! E sua liberdade estava no Rio de Janeiro, tinha certeza. Na primeiríssima oportunidade, fugiu. Escondeu-se num navio da Marinha Mercante. Só a descobriram após três dias, já em alto mar. Depois de tudo, confiaria em algum daqueles marujos? Por certo que não!

Já Áurea, que desde cedo teve melhor sorte, casou-se com seu “Romeu”. Como o bom marido que era, não permitia que ela trabalhasse. Dava a ela tudo o que precisava. De comida a tecido para fazer roupas. Dinheiro? Para quê? Ele mesmo comprava tudo! Eram pobres, mas nunca faltou comida. Quando os filhos cresceram, ela pode começar a fazer alguns serviços na casa de conhecidos, para ter seu próprio “vintém”. Que era gasto em casa, para complementar a renda da família.

Para resumir a história da baiana, ela foi morar com um gaúcho, viúvo, 30 anos mais velho que ela. Ele havia ficado com pena daquela menina assustada que parecia uma fera em seu navio. Um dos tripulantes - Santo homem! - conseguiu convencer a ambos que o melhor era que ficassem juntos. E assim enfrentaram a família dele, tradicional. Ele não tivera filhos no primeiro casamento, nem havia constituído um patrimônio. A menina-onça resolveu essas questões: tiveram 5 herdeiros, e ela construiu para ele seu império, fazendo a administração dos bens que foram adquirindo ao longo dos anos. Quando enfim constataram que ela era realmente séria, a aceitaram. E ela pode então buscar sua mãe e irmãos, resgatando-os daquela vida de infortúnios.

Carmem e Áurea não queimaram sutiãs em praça pública; eram conservadoras, religiosas. E apesar de tudo, ambas foram mulheres a frente de seu tempo. Mesmo vivendo sob o jugo de uma sociedade que via a mulher como adorno, como uma simples costela do homem, não propagaram esse conceito para suas filhas, netas, e até mesmo noras. Pelo contrário! “Estude! Tenha seu dinheiro! Não dependa de homem algum!” Era o discurso daquelas... feministas?