quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Aos cinco no muro

Aos cinco, pulei a janela às 23 e fiquei no alto do muro, pois queria ver a festa que estava acontecendo na minha rua.
Rua sem saída, onde meus pais moravam desde antes de se casarem.
Como eu era pequena, na minha cabeça aquele muro era alto, sim, mas eu conseguia escalar.
Já o tinha feito de dia, então não eram simples detalhes que me fariam não subir só porque estava de noite. E porque toda a família - avós, tios, mãe, mas não meu pai - dormia.
Ok, tive que pular a janela porque a porta estava trancada à chave...
Mas era um detalhezinho à toa. A janela estava aberta! E como Lenine diria décadas depois, "a Lua me chama, eu tenho que ir pra rua". Foi algo semelhante que me convenceu que eu estava tomando a decisão lógica.
Afinal, eu queria ir lá fora, a música e as vozes familiares dos vizinhos me acalmaram, e, se eu quisesse mesmo ir, só me restava a janela do quarto.
E fui.
A casa era muito antiga, daquelas cujo alicerce ficam também acima do nível da rua aproximadamente 1m. Não que eu soubesse isso à época. Mas tinha uma fina divisão na pintura que permitia que eu apoiasse os pés, os firmasse, para então soltar a janela e escorregar para o chão. Ah! Eu já havia pulado a janela durante o dia também. Isso facilitou.
Primeira etapa vencida, ganhei o quintal. Fui andando até o portão da garagem e vi as luzes e os rostos amigos. Tanto de pais quanto de crianças.
Não, sair do quintal não! Não podia, porque minha mãe não me permitiu ir à festa.
Mas ela não proibiu que eu ficasse observando a festa do alto do muro, sentada lá em cima. Vendo as pessoas conversarem, rirem, confraternizarem.
Os vizinhos se alarmaram, claro, ao me verem sozinha a altas horas naquele paredão.
"Menina, o que está fazendo aí em cima!? Cuidado, você pode cair!"
"Não, estou acostumada e quero ver a festa!"
Feliz e orgulhosa do meu feito, eu reinava do alto daquele muro quando meu sexto sentido me fez olhar para a esquina. A iluminação na curva não era boa, mas eu reconheceria - como ainda reconheço - aquela silhueta em qualquer lugar, em qualquer circunstância.
Como um raio, desci do muro num piscar de olhos e tentei voltar por onde saí.
Droga de tamanho! Eu não tinha altura, nem sabia o jeito de escalar para o alto da janela ainda...
E foi assim que meu pai me flagrou depois das onze da noite, aos cinco anos de idade, tentando voltar para casa entrando pela janela do quarto.
Coitado... Ficou tão nervoso que acusou a família inteira de desleixo. Meus avós sonolentos, meus tios confusos, minha mãe chocada...
Jamais esqueci aquele dia.
Melhor ainda: jamais esqueci aquela sensação! O sentimento de "eu posso", "eu consigo", "eu farei", "eu fiz"!
Aprendi minha lição: nem sempre o que não é dito é permitido.
E, o mais importante: durante dias a fio treinei escalar a janela de volta. Só sosseguei quando consegui...rs
Quarenta anos depois, ainda sinto "frio na espinha" frente a algo desafiador. Aí eu lembro daquele dia...
Vou e escalo o muro. Pois nada supera o sabor da conquista!

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